Nota do Autor: Esta crônica nasceu de uma reflexão instigada por uma pergunta perspicaz de uma colega de estudo. Longe de pretender apresentar uma verdade absoluta, este texto é um convite à introspecção e compartilha apenas o meu entendimento pessoal sobre o tema, fruto de minhas próprias vivências e estudos. Que ele possa inspirar novas perguntas e reflexões em cada leitor.
Já reparou como chamamos Deus? “Pai.” “Senhor.” “Criador.”
“Ele.”
Quase sempre no masculino. Quase sempre com um peso de
autoridade. Uma figura lá do alto, com barba branca ou coroa, mesmo que, desde
criança, eu nunca tenha conseguido imaginar Deus assim. Para mim, Ele sempre
foi algo muito maior, uma grandeza que hoje, dentro do Espiritismo, compreendo
como transcendente a qualquer imagem.
No Espiritismo, aprendemos desde cedo: Deus é a Inteligência
Suprema, a Causa Primária de todas as coisas. Não tem forma. Não tem corpo. Não
tem gênero. Não é homem. Não é mulher. É essência. É princípio. É vida.
Então, por que, afinal, ainda insistimos em chamá-Lo de
“Pai”? A resposta talvez esteja menos em Deus e mais em nós.
A linguagem que usamos para falar de Deus é, na verdade, um
espelho do nosso próprio grau de evolução espiritual. Ela não define Deus, ela
nos define. Reflete o que conseguimos compreender, sentir e expressar em cada
etapa do nosso caminhar. Como a própria espiritualidade revelou a Kardec na
questão 13 de O Livro dos Espíritos, há coisas que estão acima da inteligência
humana, e nossa linguagem, restrita às nossas ideias e sensações, não tem meios
de exprimir a totalidade de Seus atributos. Nossa forma de nos relacionar com
Ele ainda está distante do ideal, mas já despertamos a consciência e, a trancos
e barrancos, buscamos essa aproximação.
Se olharmos com cuidado, é possível perceber uma certa linha
do tempo, uma travessia da humanidade que também se revela na forma como
nomeamos o Divino.
No início, quando o medo era o que mais sabíamos sentir,
víamos Deus nos trovões, nas tempestades, nos vulcões. A divindade era bruta,
distante, imprevisível. Falávamos d’Ele com reverência e temor, como quem tenta
aplacar uma força da natureza.
Mais adiante, passamos a projetar em Deus aquilo que
conhecíamos como autoridade: reis, pais, chefes, juízes. Em sociedades
patriarcais, o “Pai” se tornou símbolo de proteção e poder. Chamá-Lo assim era
e ainda é uma tentativa de aproximá-Lo de nós, usando aquilo que fazia sentido
à época.
Com o avanço do pensamento, surgem expressões mais
abstratas: Motor Imóvel. Causa Primária. Inteligência Suprema. São termos que
buscam rigor e precisão, mas que nem sempre aquecem o coração.
Hoje, talvez estejamos entrando em uma fase nova, ainda em
esboço, onde razão e sentimento já não brigam, mas se abraçam. Caminhamos para
um tempo em que falar de Deus será menos sobre definições e mais sobre
vibração. Menos rótulo, mais vivência. Menos palavra, mais presença.
Mas e Jesus?
Ele também chamava Deus de Pai, aliás, Abba, que em aramaico quer dizer algo como “Paizinho”.
Seria Ele, então, um reforço ao modelo patriarcal?
Ao contrário. Jesus não estava atribuindo gênero a Deus.
Ele estava fazendo uma revolução. Ao dizer Abba, rompeu com a ideia de um Deus
distante, formal, temido. Trouxe Deus para perto. Tornou íntimo o que antes era
inatingível. Abba é o Deus do colo, da confiança, da entrega amorosa. É o Deus
que não exige sacrifícios, mas oferece misericórdia. E ao ensinar o “Pai
Nosso”, Jesus universalizou essa intimidade. Não disse “meu Pai”, mas “nosso
Pai”. E ali já não era mais uma questão de forma, era um convite à filiação
divina.
Por isso, mesmo no Espiritismo, que compreende Deus como
Inteligência Suprema do Universo e não como pessoa, ainda usamos “Pai”. Não por apego ao
masculino. Mas por fidelidade ao afeto que Jesus nos ensinou a sentir.
Ainda assim, é bom que nos perguntemos, como fez outro dia,
com tanta lucidez, uma colega de estudo: não seria o caso de adotarmos também
expressões mais neutras, mais amplas, mais coerentes com essa visão elevada de
Deus?
A resposta, talvez, seja: sim. Mas sem pressa. Sem
condenação a quem ainda diz “Pai”. Sem imposição a quem prefere “Fonte”,
“Causa”, “Amor”.
Porque a forma como falamos de Deus será sempre um reflexo
da forma como O sentimos. Em mundos mais adiantados, a linguagem verbal talvez
nem seja necessária; a expressão se dará puramente através do amor. E quanto
mais evoluímos, mais nossas palavras se aproximam do que Ele é, mesmo sabendo
que, no fundo, nenhuma palavra será suficiente.
A linguagem que usamos para Deus não define Deus. Define a
gente. E quanto mais nos elevamos, mais nossa fala se alinha à Verdade que, no
fim das contas… é só Amor.
O Livro dos Espíritos, obra fundamental do Espiritismo, contém os princípios da Doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, natureza dos espíritos e suas relações com os homens, leis morais, vida presente, futura e porvir da humanidade, é o marco inicial dos cinco livros que constituem a Codificação Espírita feita por Allan Kardec, transmitidos pelos espíritos superiores por intermédio de diversos médiuns. É a base, e o próprio Kardec diz na introdução da obra o Livro dos Médiuns: “a quem quer que deseje tratar seriamente da matéria, diremos que primeiro leia O Livro dos Espíritos, porque contém princípios básicos, sem os quais algumas partes deste se tornariam talvez dificilmente compreensíveis.” Um ótimo conselho para aqueles que desejam se aprofundar nos ensinamentos espíritas.

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