#14 - O Nome que Damos a Deus


Nota do Autor:
 
Esta crônica nasceu de uma reflexão instigada por uma pergunta perspicaz de uma colega de estudo. Longe de pretender apresentar uma verdade absoluta, este texto é um convite à introspecção e compartilha apenas o meu entendimento pessoal sobre o tema, fruto de minhas próprias vivências e estudos. Que ele possa inspirar novas perguntas e reflexões em cada leitor.


Já reparou como chamamos Deus? “Pai.” “Senhor.” “Criador.” “Ele.”

Quase sempre no masculino. Quase sempre com um peso de autoridade. Uma figura lá do alto, com barba branca ou coroa, mesmo que, desde criança, eu nunca tenha conseguido imaginar Deus assim. Para mim, Ele sempre foi algo muito maior, uma grandeza que hoje, dentro do Espiritismo, compreendo como transcendente a qualquer imagem.

No Espiritismo, aprendemos desde cedo: Deus é a Inteligência Suprema, a Causa Primária de todas as coisas. Não tem forma. Não tem corpo. Não tem gênero. Não é homem. Não é mulher. É essência. É princípio. É vida.

Então, por que, afinal, ainda insistimos em chamá-Lo de “Pai”? A resposta talvez esteja menos em Deus e mais em nós.

A linguagem que usamos para falar de Deus é, na verdade, um espelho do nosso próprio grau de evolução espiritual. Ela não define Deus, ela nos define. Reflete o que conseguimos compreender, sentir e expressar em cada etapa do nosso caminhar. Como a própria espiritualidade revelou a Kardec na questão 13 de O Livro dos Espíritos, há coisas que estão acima da inteligência humana, e nossa linguagem, restrita às nossas ideias e sensações, não tem meios de exprimir a totalidade de Seus atributos. Nossa forma de nos relacionar com Ele ainda está distante do ideal, mas já despertamos a consciência e, a trancos e barrancos, buscamos essa aproximação.

Se olharmos com cuidado, é possível perceber uma certa linha do tempo, uma travessia da humanidade que também se revela na forma como nomeamos o Divino.

No início, quando o medo era o que mais sabíamos sentir, víamos Deus nos trovões, nas tempestades, nos vulcões. A divindade era bruta, distante, imprevisível. Falávamos d’Ele com reverência e temor, como quem tenta aplacar uma força da natureza.

Mais adiante, passamos a projetar em Deus aquilo que conhecíamos como autoridade: reis, pais, chefes, juízes. Em sociedades patriarcais, o “Pai” se tornou símbolo de proteção e poder. Chamá-Lo assim era e ainda é uma tentativa de aproximá-Lo de nós, usando aquilo que fazia sentido à época.

Com o avanço do pensamento, surgem expressões mais abstratas: Motor Imóvel. Causa Primária. Inteligência Suprema. São termos que buscam rigor e precisão, mas que nem sempre aquecem o coração.

Hoje, talvez estejamos entrando em uma fase nova, ainda em esboço, onde razão e sentimento já não brigam, mas se abraçam. Caminhamos para um tempo em que falar de Deus será menos sobre definições e mais sobre vibração. Menos rótulo, mais vivência. Menos palavra, mais presença.

Mas e Jesus? 

Ele também chamava Deus de Pai, aliás, Abba, que em aramaico quer dizer algo como “Paizinho”. 

Seria Ele, então, um reforço ao modelo patriarcal? 

Ao contrário. Jesus não estava atribuindo gênero a Deus. Ele estava fazendo uma revolução. Ao dizer Abba, rompeu com a ideia de um Deus distante, formal, temido. Trouxe Deus para perto. Tornou íntimo o que antes era inatingível. Abba é o Deus do colo, da confiança, da entrega amorosa. É o Deus que não exige sacrifícios, mas oferece misericórdia. E ao ensinar o “Pai Nosso”, Jesus universalizou essa intimidade. Não disse “meu Pai”, mas “nosso Pai”. E ali já não era mais uma questão de forma, era um convite à filiação divina.

Por isso, mesmo no Espiritismo, que compreende Deus como Inteligência Suprema do Universo e não como pessoa, ainda usamos “Pai”. Não por apego ao masculino. Mas por fidelidade ao afeto que Jesus nos ensinou a sentir.

Ainda assim, é bom que nos perguntemos, como fez outro dia, com tanta lucidez, uma colega de estudo: não seria o caso de adotarmos também expressões mais neutras, mais amplas, mais coerentes com essa visão elevada de Deus?

A resposta, talvez, seja: sim. Mas sem pressa. Sem condenação a quem ainda diz “Pai”. Sem imposição a quem prefere “Fonte”, “Causa”, “Amor”.

Porque a forma como falamos de Deus será sempre um reflexo da forma como O sentimos. Em mundos mais adiantados, a linguagem verbal talvez nem seja necessária; a expressão se dará puramente através do amor. E quanto mais evoluímos, mais nossas palavras se aproximam do que Ele é, mesmo sabendo que, no fundo, nenhuma palavra será suficiente.

A linguagem que usamos para Deus não define Deus. Define a gente. E quanto mais nos elevamos, mais nossa fala se alinha à Verdade que, no fim das contas… é só Amor.

 


O Livro dos Espíritos, obra fundamental do Espiritismo, contém os princípios da Doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, natureza dos espíritos e suas relações com os homens, leis morais, vida presente, futura e porvir da humanidade, é o marco inicial dos cinco livros que constituem a Codificação Espírita feita por Allan Kardec, transmitidos pelos espíritos superiores por intermédio de diversos médiuns. É a base, e o próprio Kardec diz na introdução da obra o Livro dos Médiuns: “a quem quer que deseje tratar seriamente da matéria, diremos que primeiro leia O Livro dos Espíritos, porque contém princípios básicos, sem os quais algumas partes deste se tornariam talvez dificilmente compreensíveis.” Um ótimo conselho para aqueles que desejam se aprofundar nos ensinamentos espíritas.

 

 

 Nota:As crônicas desta série são escritas a partir de trechos que me atravessam nas leituras das obras espíritas. Não falo de verdades prontas, nem me coloco como dona de saber algum. Escrevo como quem caminha entre o que compreende, o que sente e o que ainda tenta viver. Cada texto nasce do encontro entre a luz da Doutrina Espírita e as sombras que ainda habito. São reflexões de uma alma em travessia, que encontra nas entrelinhas dos livros o convite silencioso à transformação. Se algo do que escrevo te tocar, que seja por sintonia, nunca por exigência. Afinal, cada consciência floresce ao seu tempo, e todo aprendizado verdadeiro começa no terreno sagrado da liberdade interior. 

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