#05 – A Ciência, os Céticos e o Espiritismo: Um diálogo possível


Nota da autora:

Esta crônica não tem o objetivo de negar as questões e desafios históricos do século XIX, mas sim refletir, com sinceridade, sobre como o Espiritismo buscou, e ainda busca, ser um ponto de encontro entre razão e fé. Reconhecer as imperfeições e os equívocos do passado é também uma forma de honrar o compromisso da Doutrina com a verdade, o progresso e a transformação moral da humanidade.

Ah, houve um tempo em que a ciência e a espiritualidade pareciam trilhar caminhos completamente distintos, falando línguas que mal se compreendiam – e, sejamos francos, em muitos aspectos, essa distância ainda persiste. Mas foi lá no efervescente século XIX, em meio a um turbilhão de revoluções intelectuais e morais, que uma ideia ousada começou a florescer: a de conciliar essas duas forças aparentemente opostas através do Espiritismo.

É engraçado como a gente tende a encaixar o Espiritismo numa caixinha puramente mística, algo distante da lógica e da razão. Mas a verdade é que Allan Kardec, o educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, não era um religioso no sentido tradicional. Ele era, antes de tudo, um homem do método científico. Ele observou o mundo com olhos curiosos, comparou fenômenos, ousou duvidar e testou cada hipótese. Só depois de um rigoroso processo de investigação, ele organizou o que viria a ser a Doutrina Espírita, propondo uma fé que, surpreendentemente, dialoga com o pensamento racional. Uma fé que não exige que você desligue o cérebro para acreditar; a fé raciocionada.

Claro, o século XIX era um caldeirão de ideias e estruturas que hoje, com a sabedoria do tempo, reconhecemos como ultrapassadas. Vejam bem!! Estou dizendo o século 19!!! Mas ao mergulhar na obra de Kardec, percebemos ecos da linguagem e dos paradigmas científicos daquela época e sim, isso inclui conceitos que, para nós, soam racistas ou discriminatórios. Mas é vital olhar para isso com um olhar de discernimento, com a perspectiva de quem entende que o tempo molda o pensamento. A essência, a proposta central do Espiritismo, sempre foi a do progresso contínuo, da fraternidade espiritual que abraça a todos e da igualdade intrínseca de todos os Espíritos perante Deus. O que parecia imutável, Kardec nos mostrou como transitório. O que parecia desigual, ele revelou como parte de uma jornada maior, de um aprendizado coletivo. E essa visão, mesmo hoje, continua sendo um desafio; mas um desafio absolutamente necessário de ser lembrado e vivido.

Hoje, sinto que vivemos em um pêndulo que oscila entre extremos. De um lado, um ceticismo tão ferrenho que descarta qualquer espiritualidade como mera superstição. Do outro, uma fé que, por vezes, ignora a razão, alimentando fanatismos que nos afastam uns dos outros. O Espiritismo, para mim, se posiciona ali, no meio, tentando ser essa ponte, esse elo que une, mas nem sempre é compreendido em sua profundidade.

É tão fácil, não é? Dizer que ciência e fé são como água e óleo, que simplesmente não se misturam. O difícil, o verdadeiro desafio, é aceitar que, no fundo, ambas buscam a mesma coisa: um sentido para a nossa existência. A ciência nos pergunta "como" o universo funciona, enquanto a espiritualidade nos explica "o pra que" de estarmos aqui. E é justamente quando essas duas perguntas se encontram, quando se permitem dialogar, que algo verdadeiramente belo e transformador pode acontecer.

Eu mesma, por muito tempo, me senti um pouco perdida, como se uma peça fundamental do meu próprio quebra-cabeça da vida estivesse faltando. Lembro-me vividamente de uma noite em que, olhando para o céu estrelado, e, para ser sincera, continuo olhando o céu com a mesma admiração até hoje, fui tomada por uma dúvida tão avassaladora que me calou por dentro. E foi nesse silêncio, nesse vazio de respostas prontas, que algo começou a se organizar dentro de mim: não uma solução imediata, mas um novo caminho, uma direção que eu nem sabia que procurava. Foi o Espiritismo que, de repente, me ofereceu uma explicação que fez todo o sentido para a minha razão e, ao mesmo tempo, acalmou meu coração inquieto: a ideia de que somos espíritos imortais, embarcados em uma jornada de aprendizado contínuo, e que a Terra é, na verdade, a nossa grande escola. Essa ideia não me pedia para abandonar minhas dúvidas; pelo contrário, ela me convidava a usá-las como degraus para crescer. Afinal, a fé que não se questiona aprisiona. A razão que não se permite sentir, isola; ah! essa nos isola numa torre de frieza.

Percebo essa mesma sede por sentido em tantas conversas do dia a dia. Pessoas que se surpreendem, com um brilho nos olhos, ao descobrir que Kardec, lá atrás, já incentivava o debate aberto e a liberdade de pensamento. Elas, muitas vezes, imaginam que ser espírita é abrir mão da crítica, quando, na verdade, é exercê-la com uma responsabilidade ainda maior. É um convite a aceitar que a verdade é uma construção gradual, feita aos poucos, com muita humildade e uma constante transformação interior.

Por isso, a questão dos preconceitos históricos precisa ser encarada de frente, sem medo, mas também sem pedras nas mãos. Com consciência e compaixão. A doutrina não é algo engessado no passado; ela respira, evolui, porque é viva, pulsante, assim como a própria vida.

Enquanto alguns insistem em negar qualquer abertura ao invisível, a própria ciência, em sua incessante busca, se depara com o que antes considerava impossível. A física quântica, por exemplo, nos fala de entrelaçamento, de fenômenos que desafiam nossa compreensão mais material. A neurociência, por sua vez, investiga os efeitos profundos da meditação na mente e no corpo. E a psicologia, com sua sensibilidade, reconhece a força inquebrável dos vínculos que nos ligam àqueles que partiram, sugerindo conexões que transcendem o meramente físico, tocando a alma.

A busca pela espiritualidade também se transformou. Se antes ela parecia confinada a dogmas rígidos, hoje se revela como uma travessia interior, uma jornada de autodescoberta. As pessoas não querem mais apenas respostas prontas; elas anseiam por significado, por um propósito que ressoe em seu íntimo. E é nesse ponto que ciência e Espiritismo se encontram, de forma surpreendente: ambos nos convidam à experiência, ao mergulho. Cada um a seu modo, eles sussurram: "Não acredite por acreditar. Viva, observe com atenção, analise com profundidade, sinta com o coração. E só então, com base em sua própria vivência, decida."

Claro, os desafios persistem. Sempre haverá quem use o nome da ciência para deslegitimar o que não compreende, e quem se diga espírita sem nunca ter sequer folheado uma obra da codificação de Kardec. Mas isso, no fundo, é parte da natureza humana, com suas contradições inerentes e suas certezas, muitas vezes, tão frágeis.

Por isso, quando me perguntam se o Espiritismo é ciência ou religião, eu costumo responder que é, acima de tudo, um convite. Um convite irrecusável à reflexão profunda, à autonomia do pensamento e à prática incessante do bem. Uma doutrina que não te pede para apagar a chama da dúvida, mas sim para usá-la para iluminar a sua vida, para buscar mais, para ir além.

Talvez este seja o maior presente que o Espiritismo nos oferece: a ideia maravilhosa do progresso contínuo. Nada está realmente pronto. Nem o mundo que habitamos, nem o outro que caminha ao nosso lado, nem nós mesmos. E talvez, só talvez, o futuro da nossa espiritualidade não esteja confinado apenas aos templos ou aos laboratórios, mas sim floresça no coração de cada um que se permite fazer perguntas sem medo e buscar respostas com a humildade de quem sabe que a caminhada é mais importante que o destino final. Não vamos deixar de caminhar sem observar, com os olhos de quem tem puro o coração, a beleza que nos cerca, pois são elas que nos auxiliam no progresso!

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