Tudo começou com uma "uruca" das grandes. Desde o primeiro dia de 2015, passei a colocar sangue pela boca. Fui revirada do avesso por médicos, fiz uma infinidade de exames e ninguém descobria a causa. O tempo passava e o mistério continuava, até que um dia senti todos os sintomas de um infarto. Corri para a emergência e, enquanto me preparava para o eletrocardiograma, a enfermeira me olhou e disse: "Minha filha, o que você tem é espiritual. Vou fazer os exames, mas você não tem nada". Nada é coincidência, pois naquele mesmo dia, mais cedo, sentada ao pé de uma árvore, eu tinha visto uma borboleta e pedido a Deus que me mostrasse um caminho. Aconteceu tudo isso até vir o convite de uma amiga para conhecer um centro espírita e não pensei duas vezes, fui.
No meu primeiro atendimento fraterno, a pessoa (querida por demais) que me atendeu falou sobre reforma íntima e me indicou o livro Reforma Íntima sem Martírio, de Ermance Dufaux. Meu primeiro pensamento foi um grito silencioso: "Eu não estou aqui pra reformar nada, quero é me livrar dessa uruca!". Pensei, mas não falei. Na época, nem fazia ideia do que era mediunidade.
A ideia de "reforma íntima" me pareceu, à primeira vista, um trabalho imenso e intimidador. Contudo, ali comecei a entender que talvez aquela 'uruca' não fosse algo de fora, mas um reflexo de dentro. Fui percebendo que, na perspectiva espírita, as dificuldades que enfrentamos são, muitas vezes, ecos de nossas próprias imperfeições e padrões de pensamento. A proposta era que, ao trabalhar para me melhorar, eu mudaria gradualmente minha sintonia, deixando de me conectar com as energias que me causavam tanto mal-estar.
É fascinante como o primeiro contato com a doutrina já nos joga diante de conceitos tão profundos. O livro indicado ficou na estante. Na verdade, eu só fui abri-lo sete anos depois. E foi então, sem a pressão do desespero inicial, que a ficha realmente caiu.
Sei que estou muito, mas muito longe de atingir a melhoria diante das Leis de Deus. Eu luto para não cair em erro e, mesmo assim, caio.
Mas foi ao ler um capítulo específico que senti como se um peso saísse das minhas costas. Nele, Ermance diz: "Quando digo a mim mesmo: ‘não posso mais falhar’ será mais difícil o domínio interior. Precisamos aprender a ser ‘gente’, a ser humano, a exercer o autoperdão, a admitir falhas, ciente de que podemos recomeçar sempre e sempre, quantas vezes forem necessárias, sem que isso signifique, necessariamente, hipocrisia, fraqueza ou conivência com o mal. A proposta espírita é de aperfeiçoamento e não de perfeição imediata... O objetivo é sermos melhor e não ‘os melhores’...".
Essa reflexão foi libertadora. Era a essência do "sem martírio".
Entendi que a perfeição não é humana, mas a busca pela melhoria, sim. A autocobrança excessiva por uma perfeição que não existe só gera ansiedade e culpa, paralisando-me e tornando a jornada mais pesada. É como tentar segurar areia com força: quanto mais eu apertava, mais ela escapava.
Aceitar minha humanidade foi o primeiro passo. Ser humano é ser falível. O autoperdão, percebi, não é ser conivente com o erro, mas entender que ele faz parte do meu aprendizado. Sem ele, eu não teria a chance de levantar, aprender e tentar de novo com mais sabedoria.
Hoje, a maior mudança na minha rotina é interna: estou me cobrando menos, essa é a verdade. Me culpando menos e tentando acolher minhas sombras com mais amor e benevolência. A caminhada espiritual é uma maratona, não uma corrida de 100 metros. A comparação é sempre comigo mesma, com quem eu era ontem.
O fato de poder, com entendimento, abrir a consciência e continuar lutando já é uma vitória imensa. A queda não anula o esforço da caminhada. O mais importante é a capacidade de se levantar, sacudir a poeira, perdoar-se e, como diz Ermance, recomeçar sempre e sempre.
No fim das contas, a "uruca" foi o sintoma que me apontou o caminho. Entrei na casa espírita querendo um conserto rápido e lá permaneço até hoje, pois entendi que a verdadeira cura não é um evento, mas uma caminhada para toda eternidade. Muitos desistem por não terem essa paciência, por ainda buscarem a mágica.
Eu descobri e ainda descubro que a única reforma que realmente importa é a que fazemos por dentro, sem pressa e sem martírio. E essa, aprendi(o), que é a melhor e mais definitiva forma de se livrar de "qualquer uruca".
Reforma Íntima sem Martírio é um clássico livro do espírito Ermance Dufaux, no qual aprendemos que o autoamor é a base da transformação pessoal. Cada capítulo é um bálsamo para seguir em frente e acreditar na vitória interna, um convite para desenvolver a coragem, a aceitação e o autoconhecimento. Autor: Wanderley Oliveira pelo Espírito Ermance Dufaux da Editora Dufaux
Nota: As crônicas desta série são escritas a partir de trechos que me atravessam nas leituras das obras espíritas. Não falo de verdades prontas, nem me coloco como dona de saber algum. Escrevo como quem caminha entre o que compreende, o que sente e o que ainda tenta viver. Cada texto nasce do encontro entre a luz da Doutrina Espírita e as sombras que ainda habito. São reflexões de uma alma em travessia, que encontra nas entrelinhas dos livros o convite silencioso à transformação. Se algo do que escrevo ecoar em ti, que seja por sintonia, nunca por exigência. Afinal, cada consciência floresce ao seu tempo, e todo aprendizado verdadeiro começa no terreno sagrado da liberdade interior.


Comentários
Postar um comentário